Os Desafios da Mulher Técnica
Entrevista: TÉCNICA EM ELETROTÉCNICA CLEMERY ALVES DA SILVA QUINTANILHA
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, nos últimos 20 anos, a presença das mulheres em cursos técnicos teve um crescimento de 65% e a participação feminina nas empresas industriais cresceu 14,3%. Os segmentos com maior crescimento de mulheres empregadas são mineração (65,8%), material de transporte (60,8%), alimentos e bebidas (49,3%), madeira e mobiliário (39,3%), indústria mecânica (37,3%) e papel e gráfico (24,7%).Algumas atividades industriais ainda inibem a presença feminina por exigir requisitos como força física mas a medida em que os processos produtivos vão se automatizando, menos força física é preciso, o que propicia o aumento das mulheres trabalhadoras na indústria.
Essa tendência de crescimento de mulheres é constatada em ocupações predominantemente masculinas, como na construção civil e na metalmecânica. No período pesquisado, a proporção de postos de trabalho ocupados por mulheres apresentou alta de 39,9% na metalurgia, de 37,3% na indústria mecânica e de 31,1% na construção civil.
Nossa reportagem entrevistou a técnica em Eletrotécnica Clemery Alves da Silva Quintanilha que formou-se no Colégio Primeiro de Maio em 1992 como técnica em Eletrotécnica e ingressou na Light em julho de 1989, através de concurso público.
Clemery trabalha há 31 anos na Light como Técnica de Campo Sênior da equipe do PC Padrão Coletivo ( uma equipe composta por técnicos em sua maioria homens, que analisam todas as solicitações de estudo em PC,s nas Regiões do Centro, Zona Sul, Tijuca, São Cristóvão, Barra e Recreio). O trabalho tem como foco o atendimento às solicitações em prédios e vilas. Nessa entrevista, ela fala sobre os desafios que as mulheres técnicas têm em seu ambiente de trabalho.
CRT-RJ- Já aconteceu de ter alguma atividade ou situação dentro do trabalho que você tenha passado por dificuldade pelo fato de ser mulher?
Clemery: Nestes 31 anos de trabalho na Light, passei por algumas situações dificultosas para uma mulher, principalmente pelos locais das atividades não estarem preparados para mulheres, por exemplo, banheiros. Ao acompanhar a turma em áreas remotas, infelizmente para as mulheres é muito complicado o uso de banheiro. Muitas vezes esse acompanhamento não é programado, ( surge como emergência), e quando há banheiro químico, são para os homens. No sufoco a gente usa. Essa condição é crítica, pois em casos de emergência, as pessoas acham que vão apenas homens para serviços de risco e na verdade, nós somos treinadas da mesma forma que os homens para realizar e solucionar todos os tipos de serviços.
CRT-RJ- Como se sente sendo minoria em meio a tantos homens?
Clemery: Meu universo é basicamente masculino desde os 19 anos, ainda muito menina. Fui a primeira mulher a trabalhar no antigo setor de cabos subterrâneos. Eram mais de 500 funcionários e só eu de mulher. Eu me sinto bem. Em todos esses anos, desde que comecei como auxiliar de escritório, nunca fui assediada sexualmente. Nem desrespeitada como mulher. Sempre tratei todos com respeito, e por isso sempre fui respeitada. As dificuldades que enfrentei são comuns a todos profissionais, por exemplo, lidar com profissionais mau caráter . Isso é comum a todos os gêneros. O que faz uma pessoa ser um bom profissional, é a dedicação que ela tem em busca do aprendizado. Graças a Deus, no meu caminho sempre tive excelentes profissionais que me ensinaram. Hoje, no meu setor têm meninas técnicas, e acredito que elas não têm esse sentimento de “minoria”, não sei se é porque o nosso universo é de uma grande empresa. Em todos os treinamentos, a tratativa é igual; se um resgate tem que ser feito em x minutos, é igual para todos: mulher, homem, gordo, magro… A tratativa é igual.
CRT-RJ- Como é ser técnica, dona de casa, mãe, esposa?
Clemery: Este acúmulo de funções que as mulheres têm é muito complicado para todas as trabalhadoras, seja em qualquer função. Para as que têm condições financeiras de ter uma diarista, é menos penoso. Mas essa não é a realidade da maioria. Nossa sociedade é complicada. Infelizmente nós que ensinamos os homens, por isso não entendo porque eles falam que “ajudam” as mulheres. Consegui estudar depois de ter filho, pois sempre tive minha mãe com total dedicação me ajudando a cuidar da criança enquanto ia trabalhar. Ter estrutura para trabalhar, estudar e ter filho, são para pouquíssimas. Quem não tem quem apoie, não consegue. Até o horário de creche não permite que uma mãe estude a noite. Precisamos de uma profunda transformação de estrutura em nossa sociedade. E isso começa nos lares, igrejas, escolas (quando eu fiz o primeiro grau, as meninas faziam educação para o lar, e os meninos técnicas comerciais) – não esqueço desse ‘horror’ até hoje.
CRT-RJ- Se sua filha te dissesse que quer ser técnica que conselho você daria a ela?
Clemery: Daria total apoio. Ela poderia ter a profissão que quisesse. O diferencial em um profissional, é a dedicação dele, seja qual for a profissão. O esforço é que faz a pessoa vencer.Quem se esforça é o que entra no CEFET, por exemplo. Sabemos que para uma pessoa que estudar em escola pública pela falta de qualidade no ensino, é mais difícil, mas não é impossível .Ninguém nasce sabendo. Um dia, vi uma entrevista onde uma médica falava da dificuldade de entrar no hall do mundo dos cirurgiões. A dificuldade para a mulher mostrar a sua capacidade está em todas as áreas, e infelizmente para as mulheres negras ainda é mais difícil.
CRT-RJ- Como é sua rotina de trabalho? Que horas chega e sai? Quais os serviços executados? Quais equipamentos utiliza?
Clemery: Chego às 7 horas, mas nem sempre consigo sair às 16 horas. Muitas vezes saio às 17h30 ou 18 horas. Utilizo uniforme retardante à chama, bota, capacete, luva isolante. Realizo análise de pedidos. inspeções e vistorias.
CRT-RJ- Que recado você daria as jovens técnicas ingressando no mercado de trabalho?
Clemery: Estudem bastante, pois o aprendizado é contínuo. Como eu falei, para as meninas ainda acho que não há um percentual de escolha na área técnica, por falta de divulgação. Hoje em dia, temos mulheres eletricistas na Light, quem pensava nisso. Mas veja no Senai, quantas mulheres se inscrevem para o curso? Ainda são muito poucas. A informação sobre profissões tem que ter início no ensino básico. Apenas com o conhecimento é que os tabus serão extintos. Na nossa área, o profissional tem que estar constantemente se atualizando. Temos sempre mudanças em normas técnicas e de segurança. Executamos atividades em área de risco elétrico, portanto, a segurança está em primeiro lugar. Sua vida não tem preço. nosso mercado é amplo, tem um leque imenso de opções, tenha paixão por aquilo que você faz que com certeza você terá portas abertas.